Psicologia financeira: como cuidar melhor do seu dinheiro

Fazer escolhas mais racionais na hora de cuidar do dinheiro pode ser mais fácil usando as ferramentas da psicologia financeira.

Escrito por Melissa Nunes

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A psicologia financeira pode ser sua grande aliada para tomadas de decisão mais inteligentes quanto ao uso de dinheiro.

Dedicar tempo para aprender sobre finanças pessoais é uma atitude inteligente e, aliar a esses conhecimentos algumas estratégias ligadas ao estudo do comportamento irá possibilitar um amplo entendimento sobre suas escolhas e propiciar melhor gestão do seu planejamento financeiro

Psicologia e economia: ciências que se complementam 

A psicologia é a ciência que estuda aspectos comportamentais, cognitivos e emocionais. A economia, por sua vez, foca na análise da produção, consumo e transferência de riqueza nas sociedades em que estamos inseridos. 

Essas duas ciências convergem quanto ao estudo do comportamento das pessoas e a forma como tomam decisões visando atender suas necessidades e desejos. A diferença está na perspectiva que cada uma tem por referência em suas análises. 

Enquanto a economia estuda o comportamento coletivo, a psicologia avalia o indivíduo, sua cognição, saúde mental e as influências socioculturais sobre comportamentos e escolhas.

Ainda assim, economia e psicologia têm muito mais coisas em comum do que diferenças, principalmente em relação às finanças pessoais, e é sobre isso que eu quero conversar com você neste artigo.

O que é a psicologia financeira? 

A psicologia financeira estuda o comportamento humano de forma geral e, especialmente, em situações de incerteza e risco.

Nesse espectro, as tendências comportamentais quanto ao uso do dinheiro e, consequentemente, a interação entre o funcionamento do mercado financeiro e a natureza das decisões humanas é fonte inesgotável de produção de conhecimento. 

Como resultado, a psicologia financeira possibilita:

  • uma visão sobre as ações humanas;
  • bloqueios psicológicos;
  • vieses comportamentais; e
  • aspectos inconscientes que influenciam a qualidade da saúde financeira de cada um de nós. 

Como surgiu a psicologia financeira 

Estudos de psicologia econômica e finanças comportamentais existem há mais de 100 anos. Contudo, a estruturação desse conhecimento de forma mais científica teve início nos anos de 1970, sendo que, ainda em 1978, tivemos o primeiro Prêmio Nobel de Economia concedido a um estudo sobre comportamento econômico. 

Neste ano, Herbert Simon recebeu o Nobel por sua teoria sobre a racionalidade limitada em contraposição à teoria ortodoxa vigente do “homos economicus”, cujas decisões seriam sempre racionais, lógicas e visando o maior ganho possível. 

Entretanto, apesar do prêmio de Simon em 1978, o grande salto da psicologia financeira ocorreu em 2002, quando o psicólogo israelense Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia por sua Teoria do Prospecto, que estudava como a tomada de decisão econômica é muito mais influenciada pelo risco de perda do que pelas chances de ganhos.

Através desse estudo, Kahneman e seu parceiro de trabalho, Amós Tversky, mostraram que um mesmo indivíduo pode assumir diferentes perfis de risco, conforme sua percepção das circunstâncias e os vieses comportamentais aos quais esteja submetido. 

A Teoria do Prospecto estudou em detalhes o quanto a interpretação das informações disponíveis e a influência dos vieses cognitivos podem comprometer a capacidade de avaliação e levar as pessoas à escolhas potencialmente ruins. 

Como o cérebro toma decisões financeiras

O mundo está em permanente mudança e evolução, isso é inquestionável. Em virtude disso, tendemos a acreditar que atualmente a vida se dá em um contexto altamente planejável e, portanto, bastante diferente dos homens primitivos que nos precederam. 

Ocorre, porém, que as ciências já comprovaram que seres humanos são fortemente condicionados pelas emoções e padrões de comportamento instintivos carregados geneticamente.

Isso significa que alguns instintos básicos de sobrevivência acabam prevalecendo no comportamento humano quando exposto a circunstâncias que, de acordo com a perspectiva, sejam consideradas “extremas”.

Nesses cenários, o medo, a ganância, o egoísmo ou mesmo o instinto de autopreservação podem dominar as reações, especialmente se as pessoas não tiverem consciência da forma como isso ocorre e, por conseguinte, não dispuserem de ferramentas para romper com o automatismo reacional na tomada de decisão.

Rápido e devagar, duas formas de pensar

A frase acima é o título de um dos mais famosos livros sobre economia comportamental, de autoria de Daniel Kahneman. Peguei emprestado o título, porque ele expressa exatamente a forma como nosso cérebro funciona. 

Não pretendo aqui entrar em detalhes sobre a neuroanatomia, no entanto, é importante saber que nosso cérebro é composto por sistemas complexos que funcionam simultaneamente e se alternam no processamento das informações, de acordo com a situação a que esteja exposto.

Para tomar decisões, o cérebro faz a ligação entre o que é razão, cujas informações são processadas pelo córtex pré-frontal –  a área que avalia e questiona tudo de forma mais lenta e sofisticada, com base em repertórios armazenados – e emoção, que é pautada por reações mais instintivas e automáticas. 

A questão é que as conexões neurais que permitem tomadas de decisão automáticas utilizam atalhos mentais que agilizam avaliações e, dependendo dos referenciais utilizados, podem nos induzir a erros sistemáticos de avaliação, ou, em outras palavras, nos levar a decisões enviesadas. 

São esses atalhos que explicam, por exemplo, porque ao comparar dois fundos multimercado, onde a lâmina de um informa que nos últimos 36 meses o fundo ganhou da inflação 90% das vezes, e o outro traz o disclaimer de que há 10% de chances de perda substancial do patrimônio, você tende a considerar o primeiro mais interessante. 

Observe que a informação de ambos é a mesma, mas ao mudar o enquadramento, a reação automática do cérebro é fazer ponderações distintas.

Vieses comportamentais, finanças e investimentos

Os vieses comportamentais são explicados por Daniel Kahneman como sendo “regras de bolso”, ou seja, atalhos que simplificam e agilizam escolhas a partir de nossa percepção automática. 

Trata-se de um mecanismo extremamente útil nas situações cotidianas, contudo, bastante problemático se acionado em circunstâncias onde decisões intuitivas não deveriam prevalecer sobre análises consistentes e fundamentadas. 

A psicologia financeira estuda os vieses visando compreender quais os mecanismos, supostamente de defesa, acionamos emocionalmente na tomada de certas decisões financeiras que, na realidade, deveriam ser tomadas a partir de análises mais lentas, elaboradas e repletas de racionalizações. 

Como os vieses influenciam as decisões financeiras? 

Quando usamos atalhos mentais para tomar decisões de investimento, isso muitas vezes nos leva a escolhas baseadas em critérios pouco ortodoxos, pautadas muito mais por percepções e sentimentos do que por lógica. 

Atualmente, existem mais de 180 vieses catalogados pelas ciências comportamentais, o que demonstra o quanto podemos estar vulneráveis a escolhas ruins, caso não haja atenção e autoconhecimento suficientes para evitar que o automatismo ocupe espaço em momentos errados.

Abaixo, alguns exemplos: 

  • Viés de disponibilidade: conduz à decisões com base nas informações acessáveis mais facilmente, ao invés de dados fundamentados e necessários à análise;
  • Viés de confirmação: o cérebro tende a considerar apenas informações que apoiem aquilo em que já acreditamos, baseado em suposições e não necessariamente em fatos;
  • Efeito de contaminação: informações irrelevantes influenciam a decisão;
  • Aversão à perda: é quando o medo do prejuízo leva a assumir riscos mal calculados e incompatíveis com a lógica. Sob esse viés, nosso cérebro dá maior relevância ao risco de perder do que ao potencial de ganhos a partir de uma mudança de atitude;
  • Excesso de confiança: nos leva a acreditar que somos melhores do que realmente somos em certas atividades ou temas;
  • Viés de ancoragem: valorização excessiva da primeira informação recebida sobre um assunto, usando-a como referência principal para avaliação. 

A quantidade de vieses que nosso cérebro utiliza é tão grande quanto a diversidade de circunstâncias cotidianas que podem demandar decisões automáticas como forma de agilizar escolhas sem que, para isso, tenhamos que sobrecarregar nosso sistema neural. 

Ocorre, entretanto, que esta mesma complexidade que facilita a existência também pode submeter-nos a erros sistemáticos, decorrentes da limitada capacidade de processamento e da influência de fatores externos, sistema de crenças, entre outros.

Como usar a psicologia financeira a seu favor

Os significativos avanços nos estudos de psicologia financeira propiciam acesso a um ótimo ferramental para o autoconhecimento que, se bem utilizado, irá permitir que você tenha uma relação saudável com o uso do dinheiro.

Entender como seu cérebro faz escolhas possibilitará, entre outras coisas: 

  • manter-se atento à autoconfiança excessiva na escolha de investimentos;
  • controle emocional para não agir com a manada, perdendo o foco em momentos de tensão nos mercados;
  • romper com a tendência de manter-se na zona de conforto que o leva a fazer as coisas sempre da mesma forma, sem ponderar que o cenário talvez exija condutas novas para obter novos resultados;
  • não se deixar seduzir pelas recompensas imediatas em detrimento de outras maiores e de longo prazo.

Não perca de vista que ninguém é perfeito e que mecanismos inconscientes ligados a seus traços de personalidade sempre estarão presentes e influenciando em maior ou menor grau a tomada de decisões. Daí a importância de conhecer a psicologia financeira e, dessa forma, se instrumentalizar para fazer melhores escolhas. 

4 livros para entender melhor a psicologia financeira

Nas últimas décadas, a produção de estudos sobre psicologia financeira cresceu substancialmente. Inúmeros estudos de neurologia, psicologia e economia puseram luz sobre a relevância do tema, então, há muita literatura interessante para você aprofundar seus estudos. 

Selecionei, aqui, quatro livros muito completos para quem deseja começar a entender psicologia financeira: 

1. Psicologia Financeira, de Morgan Housel

Um dos mais aclamados livros sobre o tema, tendo sido traduzido para 49 idiomas, Psicologia Financeira aborda as estranhas formas como as pessoas podem pensar sobre dinheiro. 

Morgan Housel utiliza 19 histórias que ilustram a relação que temos com dinheiro, tendo por premissa que o bom uso do dinheiro tem menos a ver com inteligência e muito mais a ver com comportamento. 

Entre as principais conclusões do autor, estão: 

  • a melhor forma de riqueza é a capacidade de fazer o que quiser, quando quiser;
  • sorte e risco são coisas difíceis de medir;
  • investir não é uma ciência difícil, desde que você consiga ter razoabilidade, foco e desapego ao ego; 
  • aprender a planejar, executar sua própria corrida e lidar com o fato de que não acertará todas as vezes, é o que irá levar o investidor mais longe;
  • comparação social é um sabotador que mina toda a alegria e motivação;
  • o maior valor intrínseco do dinheiro é sua capacidade de lhe dar controle sobre seu tempo. 

2. A Psicologia do Dinheiro, de Dan Ariely e Jeff Kreisler

Quando um psicólogo especializado em finanças comportamentais (Dan) e um advogado especialista em finanças, política e comportamento humano e humorista (Jeff) se unem para publicar um trabalho, o resultado é uma obra leve e gostosa de ler, mas sem abrir mão da profundidade que o tema exige. 

Em A Psicologia do Dinheiro, Ariely e Kreisler analisam situações cotidianas em que fatores externos e psiquê interferem nas escolhas financeiras. 

Sem a pretensão de categorizar comportamentos entre certo e errado, os autores buscam mostrar como as heurísticas (atalhos mentais) podem interferir de forma danosa na relação que temos com o dinheiro. 

3. A Cabeça do Investidor, de Vera Rita de Mello Ferreira

A psicóloga, psicanalista e professora Dra. Vera Rita traz ricas reflexões sobre o funcionamento da mente humana acerca das decisões financeiras e comportamento de consumo.

Usando como referências inúmeras pesquisas sobre psicologia econômica e neuroeconomia, a autora discorre, de forma bem-humorada e em linguagem acessível, sobre os erros sistemáticos que nossa mente nos leva a cometer ao agir no automático em situações que deveriam ser avaliadas com maior empenho da racionalidade. 

4. Nudge, de Richard Thaler e Cass Sunstein

Escrito pelo celebrado economista e pesquisador, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2017, Richard Thaler, e pelo advogado e especialista em economia comportamental, Cass R. Sunstein, o livro Nudge é uma das principais obras sobre economia comportamental e uma grande referência mundial para formuladores de políticas públicas. 

Nesta obra os autores buscam explicar o porquê não somos eminentemente racionais na tomada de decisão e de que forma certos “empurrões” (nudges) podem ajudar a fazermos melhores escolhas. 

A premissa é que não existem escolhas neutras, e que a maneira como as alternativas são apresentadas, mesmo que aleatoriamente, interfere na nossa avaliação.

Dessa forma, Thaler e Sunstein apresentam aos designers de escolhas, formas de utilizar mecanismos não coercitivos que melhorem a qualidade das escolhas humanas, tendo por pressuposto que somos todos atores econômicos passíveis de falhas e propensos a vieses comportamentais. 


Além das 4 obras citadas, também deixo meu convite para quem quiser encarar Rápido ou Devagar, de Daniel Kahneman, que foi citado ao longo deste conteúdo. Por ser uma leitura mais longa e densa, pode não ser a melhor escolha para quem está tendo o primeiro contato com o tema, mas, com certeza, trará um aprofundamento interessante para aqueles que quiserem saber mais.

Aprender sobre psicologia financeira pode mudar sua vida? 

Utilizar as premissas da psicologia financeira pode trazer grandes benefícios e amplo ferramental para que você faça escolhas pautadas em maior racionalidade e auto-observação.

Ao conhecer melhor os aspectos inconscientes de sua psique, é possível: 

  • compreender aspectos comportamentais que levam às escolhas financeiras ruins; 
  • entender as barreiras psicológicas que influenciam o tipo de relação que se tem com o dinheiro;
  • identificar os erros mais comuns em finanças pessoais e os principais obstáculos existentes;
  • ganhar maior consciência financeira, autonomia e resiliência;
  • obter melhores retornos sobre os investimentos.

Incorporar os princípios da psicologia financeira em sua vida tornará a complexa jornada como investidor mais consciente, objetiva e com foco mais bem ajustado às suas reais necessidades. Aproveite!

Aqui no iDinheiro, temos o compromisso de ajudar você a fazer melhores escolhas financeiras por meio de conteúdos como este. Se gostou, não deixe de se inscrever na nossa newsletter para receber outros textos diretamente no seu e-mail!

Perguntas frequentes

  1. O que é psicologia financeira?

    A psicologia financeira estuda as tendências comportamentais e a influência de vieses cognitivos e aspectos inconscientes que interferem nas escolhas e na qualidade da saúde financeira de cada um de nós.

  2. O que fala o livro A Psicologia Financeira?

    Neste livro, Morgan Housel aborda fatores psicológicos críticos que influenciam a forma como lidamos com o dinheiro. Através de histórias curtas, o autor aborda o significado de riqueza, ganância, vaidade, felicidade, sorte e os aspectos subjetivos que interferem na racionalidade ao fazermos escolhas financeiras.

  3. O que são vieses comportamentais?

    Vieses comportamentais são padrões enraizados de comportamento que, se não gerenciados, podem nos induzir a tomar decisões erradas, por agirmos no automático e com base em preconcepções que não consideram aspectos específicos de uma situação.

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