Entenda o que está em jogo no julgamento do STF sobre a demissão sem justa causa

STF não vai julgar o fim da demissão sem justa causa, mas pode abrir margem para a votação de uma Lei Complementar sobre o tema.

Escrito por Rafaela Souza

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O STF (Supremo Tribunal Federal) pode retomar, ainda nesse primeiro semestre de 2023, um julgamento que pode impactar a modalidade de demissão sem justa causa no Brasil.

Entretanto, vale destacar que a Suprema Corte não vai julgar diretamente o tema, mas a retirada do Brasil da Convenção 158 da OIT, a Organização Internacional do Trabalho, que limita as demissões sem justa causa.

Para entender melhor o tema, o iDinheiro conversou com Carlos Eduardo Ambiel, especialista em Direito do Trabalho, mestre e doutor em Direito pela USP/SP. Saiba o que está em jogo nesse julgamento e quais são os seus possíveis impactos.

Saiba o que é a Convenção 158 da OIT

Como explica o professor Carlos, é importante compreender o cenário por traz do possível julgamento do STF sobre a demissão no Brasil e, para isso, o primeiro ponto é compreender do que se trata a Convenção 158 da OIT e o que significa ratificar uma convenção internacional.

“O Brasil tem uma soberania como qualquer país do mundo, ele decide o que fazer apenas com os seus poderes, ele não tem que prestar conta a ninguém, mas ele faz parte de algumas organizações internacionais como a ONU e como a OIT, por exemplo”.

Nesse sentido, a OIT é uma organização internacional que tem como foco promover medidas e políticas visando a boa relação de trabalho. O professor também destaca que ela foi criada no final da Primeira Guerra Mundial, no Tratado de Versalhes, feito justamente para tentar tornar as relações sociais do mundo mais equilibradas e evitar novos conflitos de âmbito global.

“Ela se preocupa, por exemplo, com as jornadas, com a proteção ao trabalho da criança, com a proteção ao trabalho da mulher, com a proteção ao trabalho forçado, com a proteção ao direito de férias. Assim, uma das coisas que a OIT recomenda, e isso existe uma convenção internacional, a Convecção 158, é que os países membros da OIT tenham regras para tornar restrita a forma de extinção dos contratos de trabalho e quando ocorrer a necessidade dessa rescisão deve ter alguma compensação“, complementa.

A diferença é que a Convenção 158 estabelece algumas exceções, ou seja, há casos em que a rescisão é permitida, mas não há necessidade de indenização. Vale ressaltar que ela tem um caráter propositivo, o que significa que cada país, quando aceita a regra, se compromete a criar normas no país que estejam em sintonia com aquelas suposições da convenção internacional.

O que o STF deve julgar?

No caso do Brasil, em 1996, houve uma ratificação da Convenção 158 da OIT, porque se achava importante que o Brasil tivesse regras relacionadas à proteção do emprego.

“Então, o que nós temos hoje é uma convenção ratificada em 1996, que foi denunciada, retirada da ratificação no ano seguinte, e o que se discute desde então, ou seja, há praticamente 25 anos, é uma ação judicial que questiona se a forma como o Brasil denunciou a convenção foi válida, porque para ratificar deve haver uma posição do presidente da República, o Poder Executivo, com aprovação do Legislativo. Para denunciar não houve aprovação do Legislativo, houve um ato do Executivo, então é uma questão formal”, explica o professor Carlos.

Dessa forma, a partir do julgamento, temos dois cenários possíveis:

  • Se o que o presidente da época fez for válido, o Brasil ratificou e a denúncia foi válida: a convenção não terá efeito no Brasil.
  • Já se o ato de denúncia, de cancelamento, for fora da regra, ou seja, não observou a separação dos poderes, então aquela denúncia da convenção foi inválida e, portanto, a convenção voltaria ao status anterior, da ratificação.
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Por que isso deve ser julgado só agora?

O professor Carlos explica que isso só voltou à pauta agora porque houve uma mudança no regime interno do STF, limitando o prazo para que os ministros possam ficar com o processo em vista. A partir disso, eles têm no máximo 90 dias e depois tem que devolver. No entanto, vale ressaltar que não há uma certeza absoluta de que será julgado, porque outro ministro pode pedir vista de novo e pode demorar mais 3, 6, 9 e até 12 meses, por exemplo.

Cenário atual e possíveis impactos do julgamento

Sobre os possíveis impactos do julgamento, o professor destaca que o cenário atual é favorável à tese de que a ratificação foi irregular e, portanto, a convenção deve voltar a ter efeito. No entanto, ele ressalta que isso não significa que a dispensa vai passar a ser proibida no Brasil.

Na verdade, como a convenção internacional é algo criado para que muitos países possam seguir e cada país tem a sua diferença, ela é apenas uma regra de sugestão, proposição e cada país adapta à sua realidade.

Para além disso, Carlos destaca que a própria legislação brasileira já prevê uma série de direitos para os trabalhadores que são dispensados sem justa causa:

“Se a gente olhar a legislação brasileira, primeiro a Constituição, desde 1988, o Brasil estabelece que contratado como empregado tem o regime do FGTS, que é uma espécie de poupança mensal de 8% do salário por mês, que ao final de um ano equivale a um salário e que o trabalhador vai acumulando. Quando ele é mandado embora sem justa causa, ou seja sem cometer uma falta, por vontade do empregador, ele pode sacar aquele valor e mais uma multa de 40%, conforme o que está previsto no Artigo 10 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 88″, explica.

Dessa forma, o professor ressalta que a própria Constituição diz que o trabalhador tem direito à proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Essa proteção deveria ser regulamentada a partir de uma Lei Complementar, que ainda não foi promulgada.

Mesmo sem essa Lei Complementar, o que vale são as garantias previstas na Constituição, do saque e da multa do FGTS, e também o que está previsto na CLT, ou seja, o direito ao aviso prévio, ao seguro-desemprego, às férias proporcionais e ao décimo terceiro salário proporcional.

O Brasil tem regras que protegem a dispensa ou com uma indenização ou com algumas situações em que há uma estabilidade como, por exemplo, para mulher gestante, para regente sindical, para membro da CIPA, para empregados com doença grave que gera estigma e para quem sofre acidente de trabalho. Então, o Brasil tem, na nossa lei, casos em que não pode ser mandado embora. Nos demais, se for demitido, ele tem direito a uma indenização”, explica.

Em resumo, Carlos destaca que o que a Convenção 158 recomenda, o Brasil já possui. A única recomendação da Convenção que não está prevista especificamente é a justificativa de dispensa por motivação econômica, tecnológica e estrutural.

Lei Complementar

Por fim, o professor avalia que esse cenário de debate sobre a Convenção 158 pode fazer com o que o Congresso Nacional discuta e vote em uma Lei Complementar diferenciando o que é dispensa por ato, por uma postura individual do empregado que teve uma conduta imprópria e o que é uma situação que justifica uma dispensa por problema econômico.

“Empresa em recuperação se enquadra? Empresa falida se enquadra? Empresa que teve perda de receita? Qual é o critério para uma dispensa por motivo econômico? O que é motivo estrutural? O que é motivo tecnológico? O que é dispensa arbitrária? A lei teria que estabelecer e poderia prever o que é permitido o que é justa causa e em que situações há indenização, há garantia”, conclui o especialista.

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