Mudanças no Código de Defesa do Consumidor: projeto de lei que propõe alterações é um retrocesso, segundo especialistas

Especialistas apontam que Projeto de Lei, que propõe mudanças no Código de Defesa do Consumidor, não atende aos interesses dos consumidores e pode levar infratores a agir à margem da lei. Saiba mais.

Escrito por Júlia Ennes

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O Projeto de Lei 2.766/2021, que propõe mudanças no Código de Defesa do Consumidor (CDC), vem preocupando entidades de proteção ao consumidor. De autoria do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), o PL sugere medidas como trocar aplicação de multas por realização de investimentos em infraestrutura e a determinação da dupla visita para todos os estabelecimentos que cometem irregularidades.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCon), em notas, se declararam contrárias ao PL 2.766/2021. De acordo com o comunicado do Idec, a proposta levanta suspeitas sobre o seu real objetivo. 

“Nos parece que o projeto visa alterar a atual legislação para satisfazer aos interesses das grandes empresas reiteradamente multadas pelos Procons, pois, todo o conjunto de dispositivos novos propostos indica que o PL faz parte do forte movimento político que visa limitar o poder de fiscalização dos PROCONS, abrandando as sanções administrativas em diversos aspectos” afirma a nota. 

O Idec também defende, por meio do comunicado, que haja um debate em torno do assunto e que a proposta seja alterada. Os Procons de São Paulo, Goiás e Minas Gerais também publicaram notas contrárias ao PL. No dia 16 novembro deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei 2766/21. O regime de urgência dispensa algumas formalidades regimentais.

PL propõe substituição de multas por investimentos

Uma das propostas do PL é trocar a aplicação de multas às empresas que desrespeitam a legislação e os direitos do consumidor por realização de investimentos em infraestrutura, serviços e projetos da própria empresa. Os investimentos seriam realizados por meio de acordo de ajustamento de conduta entre o fornecedor e a autoridade fiscalizadora.

Em entrevista ao iDinheiro, a presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/GO Renata Abalém afirmou que o projeto é um desserviço aos cidadãos brasileiros. “Ele não nos afeta somente enquanto consumidores, mas moralmente. No momento em que a legislação prevê que as multas aplicadas aos maus fornecedores reverter-se-ão em favor dos mesmos, cai a lógica da punição. É o mesmo que presentear aquele que descumpre o Código de Defesa do Consumidor. Ao invés de pena, benefícios”, declara Renata Abalém.

O Procon-SP ressalta que a multa tem finalidade pedagógica. Por isso, a instituição teme que a proposta incentive o descumprimento da lei, ao retirar a multa. “A proposta pode incentivar o descumprimento da lei, uma vez que pode ser interessante para o fornecedor substituir uma penalidade monetária por um investimento que reverterá em seu próprio benefício – podendo, inclusive, resultar em enriquecimento sem causa”, afirma em nota.

Além disso, o órgão destaca que já é implícita a qualquer atividade econômica a obrigação de investir em infraestrutura, serviços e projetos para a melhoria dos produtos ou serviços ofertados no mercado de consumo para que não resultem em qualquer dano ou prejuízo ao consumidor.

Dupla visita independentemente do porte econômico da empresa

Outra alteração proposta pelo PL que vem preocupando especialistas em direito do consumidor é a dupla-visita. O projeto sugere que se institua a dupla visita – primeira de orientação e segunda de sanção – a todos os fornecedores de produtos e serviços, independentemente do seu porte econômico

Desta forma, ao constatar que o fornecedor está praticando uma infração, o agente fiscal deve inicialmente oferecer uma orientação. Somente em uma segunda visita, caso a empresa siga cometendo a infração, será aplicada a sanção. Hoje, essa regra é válida apenas para a fiscalização de microempresas e de empresas de pequeno porte. 

Abalém afirma que é um contrassenso colocar pequenas e grandes empresas no mesmo patamar. “Os grandes fornecedores têm, no mínimo, um departamento jurídico, práticas de compliance voltadas ao consumidor e que foram instituídas em razão de anos de trabalho desses órgãos. Como, após 30 anos de vigência da lei, imaginar que essa empresa não a conhece? Sinceramente”, declara.

Para o Procon-SP, o critério da dupla visita deve continuar valendo apenas para as microempresas e empresas de pequeno porte. Isso porque, segundo o órgão, esses estabelecimentos muitas vezes são empresas familiares ou formadas por pequenos empreendedores, que precisam de tratamento diferenciado para se manterem no mercado. 

“Não se pode colocar no mesmo patamar fornecedores com ampla capacidade técnica e econômica e pequenos fornecedores que necessitam de orientação para adequação da sua conduta. Contemplar todos os fornecedores com dupla visita pode resultar em inúmeros prejuízos aos consumidores, especialmente os mais vulneráveis”, diz a nota publicada pelo órgão.

Critérios para imposição da multa

O PL 2.766/2021 propõe ainda alterações no cálculo das multas. O projeto limita as multas pecuniárias à faixa de meio a 10 mil vezes o salário mínimo nacional. Atualmente, o valor da multa é calculado de acordo com critérios definidos no CDC: gravidade da infração, vantagem obtida e condição econômica do fornecedor.

O Procon-MG, em nota, pondera o risco de ocorrer um abrandamento substancial dos parâmetros utilizados para o cálculo das multas, o que tiraria a efetividade do combate às práticas lesivas cometidas por empresas. O órgão destaca ainda que, anualmente, empresas de grande porte são as mais reclamadas nos Procons e também no Poder Judiciário.

Segundo Abalém, além de não atender aos interesses dos consumidores, as mudanças propostas pelo PL podem levar infratores a agir à margem da lei. “Todo estabelecimento tem a obrigatoriedade, há anos, de manter um exemplar do Código de Defesa do Consumidor. Como esse grande fornecedor, que tem no mínimo um exemplar da lei, pode ser beneficiado por descumpri-la? Ou receber duas visitas ‘informativas e educativas’ antes de ser autuado porque descumpriu a lei?”, questiona a especialista.

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PL que propõe mudar Código de Defesa do Consumidor é retrocesso na defesa dos consumidores

No mesmo sentido da manifestação feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), pela Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCon), pela Fundação Procon-SP e pelo Procon-MG, a presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/GO Renata Abalém afirma que o PL 2.766/2021 é um retrocesso.

Segundo ela, o projeto contribui para o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização estaduais. Isso porque os artigos 55, 56 e 57 do CDC, dão autonomia para que cada Estado e Município, por meio de seus Procons, fiscalizem o seus respectivos mercado e meçam os impactos locais de condutas empresariais abusivas ou lesivas. “O enfraquecimento dos Procons Estaduais, depois de décadas para a construção de projetos regionais é inaceitável. Não só os Procons devem se manifestar contrários, mas sim toda a sociedade, declara Abalém.

A advogada afirma ainda que o Código de Defesa do Consumidor, como está hoje, já é satisfatório, mas que são bem-vindas alterações mais rigorosas. No entanto, ela destaca que devem ser alterações que contribuam para a defesa do consumidor e não que flexibilizam em favor dos fornecedores. 

“Maus fornecedores não podem se estabelecer e se estão estabelecidos têm que mudar suas regras sob pena de extinção. Não podemos permitir mais achaque contra os brasileiros, e com a aprovação do PL 2766 é isso que vai acontecer”, afirma a presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/GO.

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